Garagem

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(re)imaginar o Natal.

E se em vez da correria aos shoppings e das listas intermináveis de tarefas pudéssemos apenas voltar a ser crianças? 

A senhora atrás de mim exasperasse, espreitando-me pelo ombro para ver a fila que se estende até à caixa. O senhor a meu lado, na outra fila, acena-me com os ombros, como que constatando que aqui estamos, outra vez, para mais um ano, respondo-lhe com um sorriso sem dentes, desviando o olhar.  Do outro lado da loja,  uma filha grunhe para a mãe “traz qualquer coisa, se não gostar que troque” e, ao fundo, junto aos jogos, uma senhora ajeita os óculos tentando ler o bilhete que o neto lhe escrevera o domingo passado - “P - S - 5, o que é que isto quer dizer?!” 

Olho para as minhas mãos e começo a questionar-me se será pouco. “Será que vai gostar? Foi tão baratinho. Será que vai levar a mal? Será que só o livro chega? Secalhar faço um kit de leitura e junto-lhe uma caneca e um chocolate quente em pó….” Ele segura-me no braço e sorri, “Estás feliz com o que escolheste?” Pergunta-me.

“Sim… Não… Não sei…” saio da fila e pouso as coisas. Respiro fundo. “Como é que chegámos a isto?”

“Se não concordas, porque perpetuas? Porque é que não fazes diferente?”


Todos os anos penso a mesma coisa “quando é que o Natal passou a girar em torno do consumismo? Quando é que o Natal passou a ser corridas a lojas, presentes com vales de troca, e família que se encontra por obrigação? E será que pode ser diferente? Como é que se muda isto sem ofender alguém?” e todos os anos, por esta altura, tiro da minha estante o livro “The Everyday Alchemist’s Festive Season Reimagined” da Pia Jane Bijkerk, minha musa, e sonho. 

A Pia faz-me acreditar que sim, que é possível (re)imaginar esta época, é possível resgatar o Natal. É possível viver cada instante em calma e presença.

Acreditas comigo? 

Acendo as luzes de Natal logo pela manhã, todas, e preparo o meu pequeno almoço, faço duas torradas e barro com muita manteiga (como faz o meu pai, desde que eu era criança) e doce de tomate caseiro, da minha mãe. Aqueço um café com leite no púcaro e encho uma chávena, deito um bocadinho de leite à parte, e faço espuma (inspirada pela minha Joana) para colocar em cima do café com leite. Agarro um pedaço de chocolate e esfarelo por cima, com uma pitada de canela. Sento-me à mesa com o livro da Pia, agarro a chávena com as duas mãos e levo-a à boca. Com um grande bigode de leite, sorrio. 

Caramba, é mesmo possível (re)imaginar o Natal, a tarefa soa impossível mas é mais simples do que parece: chama a criança que és, ela sabe o que fazer. A minha está em pulguinhas porque adora chocolate, luzes brilhantes e dias de chuva na janela. E a tua?