Garagem

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se pudesses ver.

A meio da tarde o dia ainda não foi encetado,
parece barricar-se nas folhas moles
dalgum livro. Tu já sabes como eu gosto dos cafés
nas horas de pouco movimento. Os empregados
podem entregar-se a querelas ruidosas nessa altura
e os reformados na mesa do fundo vão dizer em voz alta
aquilo que pensam sobre o governo.

Ao princípio da noite é como ter sangue
nas mãos. Talvez o tempo ainda se componha, talvez possa
telefonar a um amigo. É certo que nas ruas se torna mais fácil
distrair o medo, há sempre espaço onde pousar
a cabeça. Mas em que me torno no quarto quando não estás
a olhar? O cheiro da comida flutua ainda pelos corredores,
sente-se o peso que dorme no escuro até às entranhas.
Se pudesses ver como isso às vezes me magoa.

"Winter Night"
Rui Pires Cabral