Um café comigo.
A mulher que sou hoje encontra-se numa esplanada, em Sines, com a mulher que fui, antes de ser mãe. Ainda não nos sentámos, mas já a vejo ao longe, à procura de mim com um entusiasmo que reconheço bem. Sei que, dentro do seu peito, há uma pulsação ansiosa de quem espera um futuro bonito. Há 2 anos que repete exames pré-natal, os encontros familiares são duros, sabe que terá de responder a sorrir às perguntas feitas sem maldade que lhe arrancam pedaços ao peito. Sente que algo de errado se passa dentro dela e chora a culpa em segredo. Vejo-a acenar, sinto-lhe o alvoroço no peito, e quase posso afirmar que mal pregou olho esta noite.
Sorrio-lhe. Sorrio-me. Sento-me e sinto o tempo a dobrar-se sobre a mesa pequena entre nós. O cheiro do café mistura-se com a brisa da manhã. Cheira a mar.
Ela não perde tempo. Pergunta-me:
— E então? Como estás? Conseguimos engravidar? Como é ser mãe?
Conto-lhe como foi descobrir que vinha um bébé a caminho e como foram os primeiros meses desta gravidez tão sonhada. Depois respiro fundo e aperto o copo de água em cima da mesa, afastando-o de mim. Procuro as palavras certas mas os meus olhos já lhe haviam dito tudo. Devagar e pausadamente, falo-lhe da ecografia morfológica e do diagnóstico. Vi as lágrimas formarem-se nos seus olhos, como pérolas, derramando-se pelo seu rosto, salgando o café. Segurei-lhe na mão com força e sorri.
— Então… não sou mãe? — murmura.
Reconheço-lhe o medo, também penso muitas vezes se teria engravidado se tivesse sabido antes que havia esta possibilidade de diagnóstico, não pela bébé, mas pela mãe que imaginei ser. Por isso acolho o medo desta mãe que há-de ser, que já é, ainda que não o saiba.
— És. Da menina mais doce e corajosa que algum dia irás conhecer.
— E não tiveste medo?
Fico em silêncio um momento, porque há respostas que precisam de ser sentidas antes de serem ditas. Depois, respondo:
— Sim, tive medo. Muito. Um medo profundo e real, daqueles que não desaparecem só porque queremos que desapareçam. Tive medo de não ser capaz, de não saber amparar o desconhecido, de não ter força para os dias que se adivinhavam difíceis. Mas…
Ela inclina-se para mim. Oiço a minha própria voz do passado a sussurrar "mas…?" e sorrio.
— Mas esse medo transformou-se. Derreteu-se dentro de mim no instante em que a vi. E cada dia desde então tem sido um presente. Porque o amor que ela me trouxe não é um amor qualquer, é um amor que vê para além do que eu achava que devia ser. Ela ensina-me a olhar para as coisas como elas são, e não como eu imaginei que deviam ser. Ela fez de mim uma mulher corajosa, forte, resiliente, porque por ela serei capaz de qualquer coisa.
A minha versão do passado junta as mãos fechadas junto ao rosto, as lágrimas caem. Está a tentar juntar tudo na cabeça. A possibilidade da escolha, o medo, a certeza de que nada a prepararia para este amor.
— Então, eu devia escolher tê-la?
Seguro-lhe a mão sobre a mesa. Há um nó na sua garganta, e que se estende ao peito, que eu conheço bem.
— A escolha sempre foi tua. Mas se eu pudesse dizer-te uma coisa, seria esta: nada do que receias agora tem o peso que pensas. E tudo o que ainda não sabes será, um dia, o maior dos presentes.
O café arrefece entre nós. Ela ainda não o bebeu. Está perdida nos pensamentos, na possibilidade de uma vida que ainda não conhece. Mas, no fundo, acho que já sente. Já sabe.
Levanto-me. Ela olha para mim, meio perdida, como se quisesse puxar-me de volta para dentro do tempo.
— Cuida bem dela, mas, sobretudo, cuida bem de ti, ela precisará de ti inteira.
Viro costas e caminho para o presente. Deixo-a ali, sozinha, com o café e com a certeza de que, em breve, ela também será eu. E será muito, muito, feliz.