Há uma dicotomia, em mim (lol, uma, ahaha) quando penso em sustentabilidade e minimalismo. Sei, são conceitos interligados e frequentemente complementares, contudo, para mim, esta noção de desprendimento dos objectos vai muito além de uma organização prática ou do consumo consciente. A verdade é que, mesmo procurando adoptar práticas mais sustentáveis - que, confesso, nos últimos tempos tem sido mais desafiante do que quando vivia no Alentejo - há uma parte de mim que se apega aos objectos como se, de alguma forma, eles fossem fragmentos da minha história pessoal. E, deste prisma, já falhei com o minimalismo.
Não vejo os objectos como meras coisas utilitárias ou decorativas. Cada um deles carrega uma memória, uma sensação, uma história que se funde ao que sou. Visualizem uma aesthetic cottagecore ou maximalista: o meu amor por peças com história, sejam herdadas da família, de casas que habitámos ou encontradas em segunda mão, é uma forma de criar raízes, ou de as firmar na terra. Estes objectos não são apenas bonitos ou sustentáveis; são pontes para o passado, para a vida que vivi, para as pessoas que amei. Mas também são eles que trazem magia aos meus dias. Uma arca pode ser um empecilho para muitas casas, para mim é a lembrança palpável da minha bisavó, um livro traz com ele as mãos e o coração de quem mo ofereceu, uma móvel comprado em segunda mão na década de 60, pelo meu avô, testemunha hoje o caminhar bamboleante da minha filha. Estes objectos, como tantos outros que habitam comigo, são pedaços de mim, da minha família, da minha história, e custam a ser deixados ir.
O processo de destralhe, que não deixo de entender como necessário e benéfico, é para mim uma constante batalha emocional. Quando me vejo a dar ou doar algo, sinto como se estivesse a entregar pedaços da minha alma, pedaços de momentos que não volto a reviver. Guardo saudades desses objectos, ainda que sabendo que (alguns) não são fundamentais para a minha felicidade. É quase um paradoxo: querer estar mais leve e, ao mesmo tempo, sentir que estou a perder parte de mim.
Com a chegada da Matilde, esta visão tornou-se clara porque senti necessidade de a desafiar. De repente somos mais um, mais coisas. Pelo que aprendi, aos poucos, a desapegar. Não por força da moda ou da pressão para encaixar em nós uma estética minimalista - preciso de o referir porque, no auge das minhas partilhas sobre zero desperdício, vivi esta luta interna constante onde nunca me encontrei - mas por necessidade. A vida com ela exige uma reorganização e uma nova forma de ver as coisas, mudou tudo e, no processo rocambolesco, também mudaram dois pais que se tentam encontrar nas suas vidas, na sua casa e nas suas tralhas. Partes de nós também partiram e, com elas, objectos com os quais já não nos identificamos, pelo que este processo de destralhe, embora difícil de gerir internamente, também traz consigo uma sensação de alívio pela qual muitas vezes anseio.
Fiz as pazes comigo. Sei que sou mais do que o minimalismo ou a ideia de um espaço perfeito e despojado. Esta casa, que cohabito com objectos que se enchem de alma, de histórias, e que, também por isso, não perdem a sua utilidade, continua a ser o meu refúgio e reflexo fiel daquilo que sou, que somos. E, penso agora, talvez seja esse o verdadeiro equilíbrio: ser sustentável, sem deixar de lado o apego emocional às coisas que fazem parte da minha identidade.
[Termino nesta nota deixando já o spoiler: depois de 2 anos a morar nesta casa e não a sentindo ainda verdadeiramente nossa - a única divisão pensada e decorada, até então, foi o quarto da Matilde - estamos agora em redecoração da despensa! Confesso que estou muito entusiasmada e a sentir que já precisava de sentir isto dentro! Depois mostro!]