Orgasmo Místico

Tanto me levas contigo que quase não me basto
Comigo.
Como Sá de Miranda
Penso: sou um rural das máquinas,
Sem aves, sem as suas mudanças no estio
Das suas quedas calmas.
O meu roteiro cresce a gasolina, a poeira, a mofo
E a palavras caídas em desgraça.

 Ou em desavença.
Na perseverança civil, na guerra da moral,
Carregas-me a cabeça com o corpo atolado em visões urbanas,
Transportas os sentimentos que me restam
E não sabes sequer onde me levas
O terceiro idoso coração.

 Quando se fica assim, bêbado de velho,
O amor não tem locomoção possível, não ata nem desata,
Não pega.
E a alma fica grata, gata de colo, e atravessa o caminho,
Ganha ares de filósofa,
Ornamenta as frases, consegue mesmo alcançar um orgasmo
Místico,
E duvida se deus pode escrever-se
Ainda em caixa alta


Armando Silva Carvalho
O Amante Japonês,
Assírio & Alvim