(re)decorar a vida

A nossa casa é o nosso ninho, o nosso abrigo, é onde nos refugiamos quando o mundo é demasiado, onde respiramos fundo e nos preparamos para as nossas batalhas. Mas é também uma extensão daquilo que somos e das histórias que criamos a dois. É reflexo daquela fase em que devorámos de uma só vez a primeira temporada de Stranger Things, ou de quando andámos viciados na Awesome Mix Vol 1 do Starlord. De todos os livros da Ana Teresa Pereira que devorei junto à janela e de todas as vezes que chorei a ver o Clint Eastwood sair da vida da Meryl Streep n’As Pontes de Madison County. Dos pequenos-almoços tardios de domingo e dos brinners entre amigos para fechar o fim-de-semana. Às vezes caótica, reflexo dos dias mais agitados, outras vezes calma, numa espécie de caos organizado, miscelânea ecléctica onde habitam lado a lado, pacificamente, a Odisseia de Homero e o Chewbacca.


            Mais do que vivermos em nossa casa, nós vivemos a nossa casa, somos apaixonados por cada recanto e tentamos tirar dela o maior proveito. No piso de baixo optámos por não ter portas e criar espaços amplos, a pouca mobília é quase toda amovível, o que nos permite virar o sofá para ter mais espaço para receber amigos, ou trocá-lo de lugar com a mesa de jantar para que mais pessoas caibam em torno dela. A cozinha é aberta para esse espaço e a man cave do André - que nem é cave nem só de homens - também. Num dia normal, entre duas pessoas com diferentes visões de lazer, é isto que nos permite estar juntos, mesmo que cada um esteja a fazer as suas coisas. Valorizamos muito o nosso tempo a dois, mas damos igual valor ao tempo que cada um tem a sós, para as suas coisas, para os seus hobbies, para si. O André gosta das suas noites de boardgames entre amigos, de ouvir podcasts e de jogar computador, eu gosto do silêncio, gosto de ler e escrever, e gosto muito de tardes de conversa sem horas. A decoração da nossa casa, a disposição dos nossos móveis, reflecte esta forma que temos de viver a vida e a nossa relação. É por isso que, de tempos a tempos, sentimos a necessidade de mudar as coisas de sítio, somos mutáveis, crescemos, aprendemos, e a casa acompanha-nos.

            Este fim-de-semana criámos um espaço de trabalho para mim, tirámos o toucador que restaurei em tempos, do andar de cima, e trocámo-lo de lugar com o piano. Assim, conseguimos dois espaços distintos e mais harmoniosos: um espaço de leitura, junto à janela e ao piano, e um novo espaço de trabalho junto dos livros e do André.

            Cada um terá a sua forma distinta de viver o seu tempo e o seu espaço, para nós é importante que seja real, que seja transparente e que seja reflexo da nossa essência. Acima de qualquer ideal, é do amor quotidiano que mais gostamos, do beijinho antes e depois de um jogo de computador - quem sabe as provações por que passará Geralt de Rivia?! - dos dias em que fazemos contas e vemos o mês maior do que os ordenados, e daqueles em que inventamos uma sopa que correu mal e acabamos a comer torradas, por isso, (re)decoraremos a nossa vida sempre que ela nos pedir, sabendo que o que mais importa é o amor.

Querido avô Espada.

Querido avô, 

Há dias em que as palavras nos saem quase arrancadas ao peito.
Pensei que fosse mais fácil escrever-te, porque me é sempre tão mais fácil escrever o que vai cá dentro, mas descobri que me dói sempre um pouco mais a cada ano que passamos sem ti. A tua ausência é-me cada vez mais real e não mais fácil, como ingenuamente supus que se tornasse. Pensei que o tempo lavasse as feridas, curasse as mágoas, que com ele as memórias se tornariam mais leves e que acabaríamos por aceitar a tua partida como a ordem natural... 

mas não. 

Pode ser de mim, pode ser de te termos deixado partir sem que te pedíssemos que nos falasses de ti, mas nunca foste de grandes conversas e julgo que te vou percebendo melhor agora, com o correr do tempo. 

escuta, tenho tanto medo de me esquecer do teu riso.  

Olha, voltei a Grândola, - como se te fosse reencontrar por lá... - sei que não foste assim tão feliz, nesse tempo, mas foi a terra que te trouxe a avó, que nos trouxe a nós todos, 4 filhos, 3 noras, 1 genro e 8 netos. Sei, também, que não querias lá voltar, que querias deixar a aldeia sem olhar para trás, e que assim o fizeste. Também nunca falámos sobre isto, nunca chegámos a esta fase da vida, talvez seja por isto que me custa cada vez mais a tua ausência, não poder ouvir-te. 
Comigo, guardo as cartas que escreveste, as que pediste para queimar, ainda bem que a avó nunca teve a coragem de o fazer, é assim que te vou mantendo vivo junto a mim, é assim que vou conversando contigo, no silêncio. 

 

Farias 82 anos hoje. 
E eu gostava de estar ao pé de ti para te ajudar a soprar as velas, para te abraçar, para te poder responder ao que perguntavas à avó vezes e vezes sem conta, no início da vossa história: 


"Para quê tanto amor"? para isto, avô. 
meu querido avô.

 

Com amor,
Inês
 

Lagoa de Santo André

Lagoa de Santo André

Aporismo.

Quando o amor não nos basta, fechamos os olhos e abrimos as mãos.
Deixamos partir. 

Acreditamos, ingenuamente, que reaprenderemos a caminhar. 
Assim, com um pedaço do coração arrancado ao peito, ainda a sangrar. 

O vazio que fica não deixa, no entanto, de ter corpo. Tem nome, tem idade. 
Faz parte de nós como que um membro amputado que acreditamos sentir  


(desconfio que para sempre).


Como abrir as mãos e do pedaço arrancado tirar também o amor, ainda não descobri fórmula.