Da varanda.

Conheci o Nuno há pouco mais de 10 anos. É um dos amigos mais antigos do N., o meu namorado da altura. Conhecemo-nos num café, uma das vezes que ele voara de S. Miguel ao Continente para visitar família e amigos. A memória já me trai alguns detalhes, mas sei que gostei imediatamente dele. Os primeiros encontros eram assim: ele ia matar saudades do N. e eu conhecia-lhes o passado nas entrelinhas.

Um dia, já regressado de S. Miguel, almoçámos juntos em casa do N. e, depois de almoço, o Nuno acompanhou-me aos CTT. Lembro-me disto com uma estranha vividez e, embora não me recorde do que falámos, sei que foi nesse dia que passámos a ser amigos.

Nesse Verão, passámos as tardes na varanda de casa do N. e, sem que déssemos conta, começávamos uma tradição. Eu fazia café de cafeteira e comíamos bolachas de aveia, sentados no chão. Naquela varanda em Vila Fria, chorámos e rimos, remendámos a alma e o coração, vivemos e lacrámos a nossa amizade.

Depois foi tempo de voar. O Nuno, que é das pessoas mais bonitas e resilientes que conheço, coração de menino feito de sonhos, regressou à ilha.

À falta da nossa varanda, começámos a trocar cartas digitais. Cada uma a seu tempo, mas sempre no tempo certo. Hoje, em conversa, demo-nos conta que o fazemos desde 2011. Rimos e choramos, remendamos a alma e o coração, e muita vida nos passou pela ponta dos dedos.

O ritual é simples, aqueço uma chávena de café, descrevo uma varanda e derramo o coração. Há dias em que conversamos numa varanda envolta em floresta, noutros temos vista de mar. Há dias em que não conseguimos ver a paisagem que se estende, e outros em que não estamos lá para a ver. Nessas alturas, há sempre um de nós que regressa mais cedo para limpar o pó e pôr água ao lume.

Aqui, nesta varanda, medimos o tempo por saudades, construímo-la juntos e regressamos sempre, para mais um abraço.

Amar-te

 
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Amar-te é luta diária que se mistura em conforto e escassa gratidão. Vivemos na ilusão de uma versão melhor. De um amanhã que tarda em chegar e de um passado como janelas que se abrem para o sol. Tudo porque escolhemos esquecer os gritos abafados na estrada, atrás do volante. Esquecer a raiva e a angústia. Escolher sorrir.

Mas sabes? Escolho amar-te, mesmo quando choras ao espelho olhando-me de volta. Amar-te inteira e sem reservas ou condições. E perdoar-te por tantas vezes me olhares sob o signo de uma perfeição que não tem espaço para existir.

Ah, Inês, como posso dizer-te que os pés que evitas olhar são caminhos por acontecer? Que a magia dos dias acontece mesmo quando não estás atenta? especialmente quando não estás atenta. Escuta. Lá fora canta um passarinho e o teu gato espreguiça o sono do corpo para o ouvir. É preciso olhar para dentro para melhor escutar o mundo, mas não te percas por aí.

A magia está no vestido que passeias frente ao espelho antes do dia acontecer, de como danças devagar ao som da "I'll be seeing you", da Billie Holiday, enquanto o cheiro do café se espalha pela casa, no sorriso que se desprende no "Bom dia" do A. Nas palavras que se transformam frases à espera de um papel onde as derramar, enquanto escutas o mar bater lá fora.

Amar-te não é fácil, mas deixa-me lembrar-te desse corpo que habitas, portal sagrado do mundo:  olhos que filtram a beleza dos dias, olfacto arquivo de memórias tantas, o conforto num prato de "pasta", toque que carrega afectos, prazer, amor sem palavras, e como escutar um passarinho na janela é acto de revolução interna: estou aqui, basto-me, sou amor.  

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Sob a varinha de condão da encantadora de corações pulsantes, Cris Lisbôa

Escrevo para (me) entender o mundo.

Escrevo para (me) entender o mundo.

É fuga, terapia e abraço.

Escrevo porque sinto raiva, porque o tempo escapa e porque preciso de o agarrar. Por amor, de loucura e de saudade. Escrevo porque a cafeteira italiana estava tão bonita, ao lume, que o meu coração não aguentou. Ou porque a lembrança do teu gesto na barba me entrou de rompante escancarando a porta entreaberta. Escrevo porque a vida é demasiado e porque não tenho outra forma de dizer "estou presente" sempre que a luz da manhã enche o quarto.
Hoje abri as janelas e a rua cheirava a mar, quis escrever sobre isto mas percebi que, para mim, tudo já estava dito. Ainda assim, serviu me de pretexto para vos falar de tudo isto que é a escrita para mim. E isto é bonito porque sei que para qualquer outra pessoa, esta mesma frase, será um "gatilho" diferente.

Recebi muitas respostas interessantes sobre isto da escrita e de se manter com foco, e alimento criativo, um blogue. Também fiquei a conhecer projectos incríveis que me inspiraram muito e me fizeram sonhar. Obrigada!

Então hoje, se leste tudo isto até aqui, proponho-te um desafio que poderás - ou não - partilhar (de forma privada) comigo. O caminho é pelo coração. Que estas palavras te sejam gatilho: "Hoje abri as janelas e a rua cheirava a mar"

(post original para instagram)