Tenho uma confissão para vos fazer: estive quase para apagar este blogue. É verdade, senti que não tinha cumprido o seu propósito inicial e, por isso, não havia razão para o manter aberto.
Quando iniciei a Assistência Virtual e me foquei a full no trabalho, senti que o pouco tempo que dedicava a este cantinho passaria a nulo e isso não só me deixava num stress, como a culpa que carregava às costas me deixava na incapacidade de escrever. Eu queria, mas não conseguia, as crenças que me limitavam eram muitas e difíceis de enumerar, cheguei a desabafar com amigas que me diziam para não apagar, que a minha visão seria sempre a minha visão e que, por isso, seria sempre diferente de qualquer outra pessoa, mas eu sentia-me sozinha, sentia que escrevia apenas para mim e que me falhara.
Estava entre a construção da minha página profissional e esta quando me passou pela cabeça a ideia de apagá-la, a minha decisão estava praticamente tomada quando, no e-mail do blogue, recebo uma mensagem.
Foi no dia 3 de Julho do ano passado, eu estava a trabalhar de janelas abertas e estava um sol lindo, lembro-me disto porque esta mensagem me mudou. Li-a em lágrimas e, enquanto ligava ao André, a contar-lhe tudo o que acontecera, pelo meio dos soluços, entrou uma borboleta branca pela minha casa adentro, pousou junto a mim e voou de novo. Eu estava com muitas dúvidas, sei hoje que não se tratava apenas do blogue, eram muitas as transformações, era a pele que estava a cair, era eu que já não sabia bem quem era.
A mensagem da Patrícia, que me escrevia de Hamburgo, e que não me conhecia de lado nenhum, chegou-me como um abraço apertado, um colo. Era uma carta de amor, daquelas que nos dizem “eu estou aqui, obrigada por estares aí também” e terminava com “Continua a partilhar esta tua forma de ver e viver a vida.” .
E foi ela, foi ela que me dissipou as nuvens, foi ela o sol daquele dia de Verão, a borboleta, e foi também ela que me sacudiu a culpa dos ombros e que me trouxe de novo à escrita. A escrita é o que me salva dos dias, e por isso, a mensagem da Patrícia foi tão importante.
Ficámos em contacto desde então e, hoje, tomámos um chá virtual. Acabámos de desligar e eu não paro de pensar no poder que um coração, que as palavras, têm na vida do outro. Na importância do amor, da gentileza, da empatia. E esta ideia de que somos muito mais do que aquilo que imaginamos, e que temos muito mais capacidades do que aquelas que pensamos. Para o bem, e para o mal. E caramba, quando usamos isto para o bem podemos mesmo mudar a vida de alguém. Ela mudou a minha. E agora fiquei só aqui, sentada no sofá, a sentir que nunca serei capaz de lhe agradecer as palavras que me escreveu naquele dia.
Como peças de um puzzle.
Ontem, enquanto trocava mensagens com um amigo - que não abraço há mais de 10 anos -, dei por mim a pensar: “quanto dos outros são ecos em nós?"
Sempre que se dá um encontro, há uma partilha. Nunca saímos dos braços de alguém como entrámos.
Dele, trouxe um amplo conhecimento em séries e livros de ficção científica. Trouxe o Enki Bilal, uma mão cheia de artistas que nunca ouvira, a memória de um nariz franzido e os seus abraços apertados. Não nos vemos há 10 anos, mas quase podia jurar que foi ontem, porque consigo resgatar em mim cada pedaço que ele deixou.
Somos todos o puzzle e as peças de outros. Não ando só, carrego em mim todos quanto cruzei e todos cuja vida permanece em mim, por linhagem. A vida acontece, partimos ou ficamos, mas pelo meio a certeza de que somos a soma de quem connosco se cruzou.
Em jeito de gatilho de escrita, diz-me, “quanto de outros são ecos em ti?”
Da varanda.
Conheci o Nuno há pouco mais de 10 anos. É um dos amigos mais antigos do N., o meu namorado da altura. Conhecemo-nos num café, uma das vezes que ele voara de S. Miguel ao Continente para visitar família e amigos. A memória já me trai alguns detalhes, mas sei que gostei imediatamente dele. Os primeiros encontros eram assim: ele ia matar saudades do N. e eu conhecia-lhes o passado nas entrelinhas.
Um dia, já regressado de S. Miguel, almoçámos juntos em casa do N. e, depois de almoço, o Nuno acompanhou-me aos CTT. Lembro-me disto com uma estranha vividez e, embora não me recorde do que falámos, sei que foi nesse dia que passámos a ser amigos.
Nesse Verão, passámos as tardes na varanda de casa do N. e, sem que déssemos conta, começávamos uma tradição. Eu fazia café de cafeteira e comíamos bolachas de aveia, sentados no chão. Naquela varanda em Vila Fria, chorámos e rimos, remendámos a alma e o coração, vivemos e lacrámos a nossa amizade.
Depois foi tempo de voar. O Nuno, que é das pessoas mais bonitas e resilientes que conheço, coração de menino feito de sonhos, regressou à ilha.
À falta da nossa varanda, começámos a trocar cartas digitais. Cada uma a seu tempo, mas sempre no tempo certo. Hoje, em conversa, demo-nos conta que o fazemos desde 2011. Rimos e choramos, remendamos a alma e o coração, e muita vida nos passou pela ponta dos dedos.
O ritual é simples, aqueço uma chávena de café, descrevo uma varanda e derramo o coração. Há dias em que conversamos numa varanda envolta em floresta, noutros temos vista de mar. Há dias em que não conseguimos ver a paisagem que se estende, e outros em que não estamos lá para a ver. Nessas alturas, há sempre um de nós que regressa mais cedo para limpar o pó e pôr água ao lume.
Aqui, nesta varanda, medimos o tempo por saudades, construímo-la juntos e regressamos sempre, para mais um abraço.
Sines, 23 de Junho de 2015
a Antónia.
há coisas que precisam de ser escritas para que se celebrem.
casar não é, não deveria ser, um passo leve. não se pensa em casar de hoje para amanhã, é uma decisão ponderada, trabalhada, é um passo que se dá porque faz sentido e não porque tem de ser, porque é melhor, ou porque a família quer e quer já. connosco aconteceu assim, a família queria, claro, mas nós só decidimos quando decidimos.
contudo, casar não deixa de ser uma decisão de peso, mesmo depois de feita.
na véspera do meu casamento todo o meu corpo estava no núcleo de um tornado. a cabeça estava num turbilhão de memórias e o coração completamente perdido. não sei se algum dia desceram ao Poço Iniciático na Quinta da Regaleira, em Sintra, mas se não o fizeram acho que deviam fazê-lo pelo menos uma vez na vida (com guia!). o que senti nesse final de dia foi próximo da descida iniciática, como se caísse em mim toda a simbologia do Poço, como se tivesse descido às trevas de mim mesma... para renascer. e chorei, chorei muito.
a Antónia, amiga da minha mãe - amiga física: de poucos anos, de coração: quase de uma vida - que acompanhou todo este processo de planeamento de casamento até ao último dia para as decorações finais, com o seu coração tamanho mundo e no meio de todo o meu pranto pré-matrimonial, pegou na minha mão e puxou-me a um mundo só dela, tudo o que me disse naquele instante pareceu encaixar-se nas falhas do meu pensamento andarilho. As coisas, as pessoas, as memórias, têm a importância que lhes dermos e importante era o dia que ia acontecer dali a umas horas, isso era importante, o meu coração era importante, tudo o resto eram estilhaços que dificilmente cola alguma uniria.
serve o presente desabafo para isto: há pessoas que nos tocam de formas tão simples e tão naturais que elas próprias não sabem o quão foram importantes neste e naquele momento da nossa vida. a Antónia é já parte da família, é unânime, e não atravessa, "hoje", um momento fácil. e por isso desejo, celebrando-a, que as minhas palavras e o amor que nelas ponho lhe tragam um pouco mais de força, à força enorme que só uma mulher como ela carrega.