brincávamos a cair nos braços um do outro


brincávamos a cair nos 
braços um do outro, como faziam 
as actrizes nos filmes com o marlon 
brando, e depois suspirávamos e ríamos 
sem saber que habituávamos o coração à 
dor. queríamos o amor um pelo outro 
sem hesitações, como se a desgraça nos 
servisse bem e, a ver filmes, achávamos que 
o peito era todo em movimento e não 
sabíamos que a vida podia parar um 
dia. eu ainda te disse que me doíam os 
braços e que, mesmo sendo o rapaz, o 
cansaço chegava e instalava-se no meu 
poço de medo. tu rias e caías uma e outra 
vez à espera de acreditares apenas no que 
fosse mais imediato, quando os filmes acabavam, 
quando percebíamos que o mundo era 
feito de distância e tanto tempo vazio, tu 
ficavas muito feminina e abandonada e eu 
sofria mais ainda com isso. estavas tão 
diferente de mim como se já tivesses 
partido e eu fosse apenas um local esquecido 
sem significado maior no teu caminho. tu 
dizias que se morrêssemos juntos 
entraríamos juntos no paraíso e querias 
culpar-me por ser triste de outro modo, um 
modo mais perene, lento, covarde. Eu 
amava-te e julgava bem que amar era 
afeiçoar o corpo ao perigo. caía eu 
nos teus braços, fazias um 
bigode no teu rosto como se fosses o 
marlon brando. eu, que te descobria como se 
descobrem fantasias no inferno, não 
queria ser beijado pelo marlon brando e 
entrava numa combustão modesta que, às 
batidas do meu coração, iluminava o meu 
rosto como lâmpada falhando 

a minha mãe dizia-me, valter tem cuidado, não 
brinques assim, vais partir uma perna, vais 
partir a cabeça, vais partir o 
coração. e estava certa, foi tudo verdade 


valter hugo mãe

(Acho que te criei no interior da minha mente)

Cerro os olhos e cai o mundo inteiro
Ergo as pálpebras e tudo volta a renascer
(Acho que te criei no interior da minha mente)

Saem valsando as estrelas, vermelhas e azuis,

Entra a galope a arbitrária escuridão:
Cerro os olhos e cai o mundo inteiro.

Enfeitiçaste-me, em sonhos para a cama,
Cantaste-me para a loucura, 
beijaste-me para a insanidade.
(Acho que te criei no interior da minha mente)

Tomba Deus das alturas;
abranda-me o fogo do inferno:
Retiram-se os serafins e os homens de Satã:
Cerro os olhos e cai o mundo inteiro.

Imaginei que voltarias como prometeste
Envelheço, porém, e esqueço-me do teu nome.
(Acho que te criei no interior da minha mente)

Deveria, em teu lugar, ter amado um falcão
Pelo menos, com a Primavera retornam com estrondo.
Cerro os olhos e cai morto o mundo inteiro:
(Acho que te criei no interior da minha mente.)

Sylvia Plath

Estrela

Era-se umha vez umha nena que se chamava Estrela. Umha nena mui mui pequerrechinha. Do que mais gostava Estrela no mundo nom era do pam ou dos axóuxeres, da teta de sua mai ou das estrelas. Nom. Havia algo do que gostava por riba de todas as cousas: As palavras. Primeiro aprendeu a escoita-las, marabilhada, e despois começou a pronuncia-las com muito cuidado, com medo a rompe-las, pareciam frágeis, descobrendo cada umha delas com muita emoçom. 

Descobreu que as palavras dominavam o mundo. Se ela dicia: Água, em seguida alguém lhe achegava um pouco de água. Se a ela lhe diciam: Quero-te, iluminavam-se-lhe os olhos e entrava-lhe um vento no peito. E dava-se conta de que o mundo cambiava ao ritmo em que a gente ia pronunciando palavras. As palavras podiam com todo. Eram poderosas. 

Um dia todo o mundo começou a dicer: Que bem fala Estrela, Que pequeninha e quantas palavras sabe. Esta nena é mui lista!

Estrela juntava as palmas das maos e abria-as como se fosse um livro. Mira, um cam, dicia-lhe a sua mai. Mira, um lobo, dicia-lhe a seu pai. E mais adiante, aínda que nom sabia ler, colhia umha folha de jornal ou um livro e fazia que lia e contava-lhe a sua mai um conto dumha cabra que nom podia sonhar, e a seu pai umha história dum melom que tinha dentro um paxaro e á sua irmá, um conto dumha nena que dava a volta ao mundo em bicicleta.

“Manhá começas a escola, Estrela. E vas aprender a ler. E vas aprender a escreber.” Essa noite, com a emoçom, Estrela sentiu como se tragasse as palavras e as tivesse todas no estómago, a brilhar como um milhom de estrelas.

Mas o primeiro dia de escola sucedeu algo inesperado. Quando a mestra abriu a boca a palavra que pronunciou nom era umha das palavras de Estrela. E quando a mestra escrebeu a primeira palabra na pizarra e a leu em voz alta, Estrela descobreu que aquela tamem nom era umha das suas palavras. E as palavras do livro que leu a mestra tamem nom eram palavras do seu idioma. 

Estrela procurou as suas palavras por toda a escola mas nom as atopou por ningures. 

Era como se as suas palavras nom puidessem entrar naquel lugar. Como se as palavras que levava dentro tivessem que ficar fora da escola. Ela podia entrar, mas as suas palavras nom.

Assi que o primeiro dia na escola Estrela aprendeu a esconder as suas palavras. As palavras do seu idioma. Essa foi a primeira lecçom. O primeiro dia na escola Estrela nom abriu a boca.

Essa noite as palavras de Estrela moverom-se na sua barriga como bolboretas de todas as cores a revoar. E quando ficou durmida sonhou que milheiros de bolboretas saiam livres pola sua boca.

Ao dia seguinte, nada mais entrar, Estrela abriu a boca na escola e ceibou umha das palavras da sua língua, como umha bolboreta arco-iris. E daquela puido escoitar aqueles risos. Ao primeiro, em voz baixa. 

Quando ceibou outra das palavras do seu idioma, os risos medrarom e ela deu-se de conta de que se estavam a rir dela. 
Estavam-se a rir das suas palavras. E, sem saber mui bem porque, Estrela sentiu um pouco de vergonha. Por primeira vez na vida sentiu um pouco de vergonha das suas próprias palavras. Do seu idioma.
E daquela comprendeu.

Daquela Estrela descobreu por que havia gente que tinha vergonha de pronunciar as suas palavras, por que havia gente que se avergonzava de falar a sua própria língua: porque isso era o que lhes aprendiam na escola desde o primeiro dia. Essa era a segunda lecçom que se aprendia na escola. A avergonzar-se do seu idioma.


Séchu Sende
via Made in Galiza

Maite zaitut

MAITE ZAITUT

Ehun aldiz idazten dut gaur Maite zaitut
ehun aldiz idazten dut Maite zaitut maite zaitudalako
eta Maite zaitut idazten dut barruan sentitzen zaitudalako
eta hitzetatik kanpora eta isiltasunean ere.

Nire hizkuntzan idazten dut Maite zaitut
zure hizkuntzan, gurean.
Esku ahurrean idazten dut Maite zaitut
eta zure lepoan idazten dut Maite zaitut lo zauden bitartean
eta gaur eramaten duzun arropetako
etiketetan idazten ditut Maite zaitut txikiak. 

Eta Maite zaitut idazten dudanean iragana denez,
gaur ere idazten dut Maite zaitut etorkizunean,
eta kaleetan espraiarekin idazten dut Maite zaitut,
pasatzen zaren eta inoiz pasatzen ez zaren kaleetan,
eta Maite zaitut idazten dut zure itzalaren barruan
eta zure zapatetan eta zure txorietan.

Maite zaitut idazten dizut morse kodean
zuk eskatzen didazun lekuan mihiaren puntarekin
-- .- .. - . --.. .- .. - ..- -

Maite zaitut mamut bat bezain handi,
hamaika letrako konstelazioa bezain txiki,
bi haranen arteko arroa bezain luze,
eta, inperfekzioa bezala, perfektua.

Maite zaitut idazten dut nire hizkuntza maitalean
batzuetan errealite bihurtzen diren
ametsetan miazkatu zaitzaten.
Eta idazten dut Maite zaitut ez naizelako beldur, 
eta mundua aldatzeko idazten dut Maite zaitut.

Maite zaitut idazten dut leku komunetan
eta sekretuetan.
Maite zaitut ere idazten dut
ahosabaiarekin.

Maite zaitut idazten dut zure aterki morean,
eta Maite zaitut idazten dudan lekuan jaiotzen da ortzadarra.
Erosketa zerrendan idazten dut Maite zaitut
hitz laranja eta hitz artazien artean
eta idazten dut Maite zaitut botila baten barruan.

Pertsona asko gara gaur
Maite zaitut idazten dugunak Maite zaitut-en herrian,
mila Maite zaitut gure hizkuntzan,
larruan, zuhaitzetan edo hormetan idatziak.

Nire hizkuntzan inork idazten duen
Maite zaitut bakoitzean
dago nire Maite zaitut,
dagoen lekuan dagoela.

Maite zaitut-ek distira egiten du,
horregatik idazten dut Maite zaitut,
nik beste pertsona askorekin batera
gaur ere idazten ditugu
miloika Maite zaitut lurreko bost mila hizkuntzetan egunero.


Traduçom ao euskera de Txerra Rodríguez


QUERO-TE 

Escrevo Quero-te cem vezes hoje
cem vezes escrevo Quero-te porque te quero
e escrevo Quero-te porque te sinto dentro
e fora das palavras e no siléncio.

Na minha língua escrevo Quero-te 
na tua língua, nossa.
Na palma de minha mao escrevo Quero-te
e escrevo Quero-te no teu ombro quando dormes
e Quero-tes pequenos nas etiquetas
da roupa que levas hoje.

E porque quando escrevo Quero-te já é passado
hoje escrevo tamém Quero-te no futuro,
e escrevo Quero-te com sprays nas ruas
polas que passas sempre ou nom passas nunca,
e escrevo Quero-te dentro da tua sombra
e dos teus zapatos e dos teus paxaros.

Escrevo Quero-te em código morse
com a ponta da língua onde me pidas
-.- . .-. ---- - .

Um quero-te como um mamut de grande,
pequeno como umha constelaçom de sete letras,
longo como um arró entre dous vales
e, como a imperfecçom, perfecto.

Escrevo Quero-te na minha língua amante
que te lambe nos sonhos 
que ás vezes se volvem realidade.
E escrevo Quero-te porque nom tenho medo,
e para cambiar o mundo escrevo Quero-te

Escrevo Quero-te nos lugares comuns 
e nos segredos.
E escrevo Quero-che tamém 
palatalmente.

Escrevo Quero-te no teu paráguas violeta,
e onde escrevo Quero-te nace o arco da velha.
Na lista da compra escrevo Quero-te
entre a palavra laranjas e a palavra tesoiras,
e escrevo Quero-te dentro dumha botelha.

Somos muita gente hoje
a escrever Quero-tes no país dos Quero-tes,
milheiros de Quero-tes na nossa língua 
escritos na pel, nas árvores ou nas paredes.

Em cada Quero-te 
que escreve alguém na minha língua
está o meu Quero-te 
alá onde esteja.

E porque um Quero-te é umha palavra que brilha 
escrevo Quero-te,
tamém eu com toda a gente
que hoje escrevemos 
milhons de Quero-tes nas cinco mil línguas do planeta cada dia.

via Made in Galiza