Era-se umha vez umha nena que se chamava Estrela. Umha nena mui mui pequerrechinha. Do que mais gostava Estrela no mundo nom era do pam ou dos axóuxeres, da teta de sua mai ou das estrelas. Nom. Havia algo do que gostava por riba de todas as cousas: As palavras. Primeiro aprendeu a escoita-las, marabilhada, e despois começou a pronuncia-las com muito cuidado, com medo a rompe-las, pareciam frágeis, descobrendo cada umha delas com muita emoçom.
Descobreu que as palavras dominavam o mundo. Se ela dicia: Água, em seguida alguém lhe achegava um pouco de água. Se a ela lhe diciam: Quero-te, iluminavam-se-lhe os olhos e entrava-lhe um vento no peito. E dava-se conta de que o mundo cambiava ao ritmo em que a gente ia pronunciando palavras. As palavras podiam com todo. Eram poderosas.
Um dia todo o mundo começou a dicer: Que bem fala Estrela, Que pequeninha e quantas palavras sabe. Esta nena é mui lista!
Estrela juntava as palmas das maos e abria-as como se fosse um livro. Mira, um cam, dicia-lhe a sua mai. Mira, um lobo, dicia-lhe a seu pai. E mais adiante, aínda que nom sabia ler, colhia umha folha de jornal ou um livro e fazia que lia e contava-lhe a sua mai um conto dumha cabra que nom podia sonhar, e a seu pai umha história dum melom que tinha dentro um paxaro e á sua irmá, um conto dumha nena que dava a volta ao mundo em bicicleta.
“Manhá começas a escola, Estrela. E vas aprender a ler. E vas aprender a escreber.” Essa noite, com a emoçom, Estrela sentiu como se tragasse as palavras e as tivesse todas no estómago, a brilhar como um milhom de estrelas.
Mas o primeiro dia de escola sucedeu algo inesperado. Quando a mestra abriu a boca a palavra que pronunciou nom era umha das palavras de Estrela. E quando a mestra escrebeu a primeira palabra na pizarra e a leu em voz alta, Estrela descobreu que aquela tamem nom era umha das suas palavras. E as palavras do livro que leu a mestra tamem nom eram palavras do seu idioma.
Estrela procurou as suas palavras por toda a escola mas nom as atopou por ningures.
Era como se as suas palavras nom puidessem entrar naquel lugar. Como se as palavras que levava dentro tivessem que ficar fora da escola. Ela podia entrar, mas as suas palavras nom.
Assi que o primeiro dia na escola Estrela aprendeu a esconder as suas palavras. As palavras do seu idioma. Essa foi a primeira lecçom. O primeiro dia na escola Estrela nom abriu a boca.
Essa noite as palavras de Estrela moverom-se na sua barriga como bolboretas de todas as cores a revoar. E quando ficou durmida sonhou que milheiros de bolboretas saiam livres pola sua boca.
Ao dia seguinte, nada mais entrar, Estrela abriu a boca na escola e ceibou umha das palavras da sua língua, como umha bolboreta arco-iris. E daquela puido escoitar aqueles risos. Ao primeiro, em voz baixa.
Quando ceibou outra das palavras do seu idioma, os risos medrarom e ela deu-se de conta de que se estavam a rir dela.
Estavam-se a rir das suas palavras. E, sem saber mui bem porque, Estrela sentiu um pouco de vergonha. Por primeira vez na vida sentiu um pouco de vergonha das suas próprias palavras. Do seu idioma.
E daquela comprendeu.
Daquela Estrela descobreu por que havia gente que tinha vergonha de pronunciar as suas palavras, por que havia gente que se avergonzava de falar a sua própria língua: porque isso era o que lhes aprendiam na escola desde o primeiro dia. Essa era a segunda lecçom que se aprendia na escola. A avergonzar-se do seu idioma.
Séchu Sende
via Made in Galiza