Sento-me em frente à página em branco, ando assombrada com isto.
”Precisas de escrever”, escuto-me.
”Eu sei” — , resmungo internamente enquanto pontapeio uma pedra imaginária. Movo-me para lá e para cá, passos pesados e ombros descaídos — “Não tenho nada a dizer”.
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É que os dias não fazem mais do que atropelar-se um atrás do outro, atrás do outro. Olho-me ao espelho “mais um cabelo branco, ia jurar que esta ruga não estava aqui, as minhas pernas pareciam mais firmes, mas onde raio andei para não me ter visto?”. Trato dos gatos, despejo o café no leite, espalho o doce na torrada e olho de relance a cozinha atrás de mim “tudo pronto”.
Venho a engolir a torrada para o escritório e dou mais 3 golos no galão enquanto ligo o computador. Passo os olhos na lista das tarefas e espreito o whatsapp. Terei de refazer a lista toda assim que as notificações começarem a cair. Respiro fundo. Olho a janela, os carros passam lá fora, um atrás do outro, atrás do outro, não reparo nas cores, nos modelos, mas posso jurar que são os mesmos que aqui passaram ontem, e anteontem, e que continuarão a passar amanhã, depois de amanhã… até ao dia em que o Sr. do Polo Cinzento Claro diga de si para consigo que “Já chega! Vou abalar daqui para fora mais a Amélia, amanhã compro umas sementes no mercado e só me apanham em Vila Real”.
E eu, juro, dou por mim com ciúmes do Sr. do Polo Cinzento Claro, não me apanham a cavar a horta — gente, há que ser realista, né? — mas caramba, se não fechava já estas 37 tabs abertas do browser e me atirava sem pestanejar a uma vida de terraço florido, com mobília de madeira antiga, pão fresco e limonada.