Acordei com o gato Sebastião, mimado, a pedinchar mimo a horas indecentes da manhã. Levantei-me, espreitei a rua, estava escuro e frio, ainda tinha mais uma hora para dormir, voltei a deitar-me. Na cama, a Matilde já dera uma volta completa a dormir, assim que me deito, encaixa a cabeça debaixo do meu braço, o nariz quase toca a minha cintura. Há noites que se tem encaixado assim. Aos pés da cama dois gatos já ronronam. A gata aninha-se nas pernas do André, que esta noite foi delegado ao colchão no chão para dar espaço às acrobacias nocturnas da bébé.
Estico o meu braço, com a mão aconchego-lhe o fundo das costas, odeia ser tapada e geralmente acorda quando o faço, mas sei que se sente confortável quando a abraço assim.
Como era a vida antes dela chegar? Penso. Há dias em que sinto muitas saudades da Inês (das várias) que fui, dias em que questiono a decisão de querer ser mãe, principalmente nos dias em que maternar é demasiado doloroso (quando não?!). Quando o choro é dilacerante, quando as horas parecem não passar, quando todas as decisões parecem erradas.
Depois sinto o seu pequeno corpinho junto ao meu, o seu respirar, escuto o seu gargalhar, a forma como já responde ao que lhe pergunto, as relações que tece a seu redor, a forma como se move no mundo. De súbito, o passado já foi. Guardado num louceiro, à vista do recordar, mas longe o suficiente para dar espaço a este futuro que me entra de rompante peito adentro a cada despertar.
Vou levantar-me dentro de pouco tempo, iremos abrir juntas as janelas à manhã, dizer adeus aos autocarros amarelos que já passam lá em baixo e, com sorte, passará um comboio que levará com ele uma gargalhada da Matilde e um "não há" assim que a última carruagem desaparecer por detrás dos prédios.