A vida que (não) vivemos.

Comecei, esta semana que passou, a ver uma série portuguesa chamada "Erro 404", onde uma app permite experimentar as vidas de outras pessoas por umas horas. É uma premissa irreal, bem sei, mas intrigante – quem não gostaria de, por breves momentos, poder espreitar os "e se" da própria vida? A série fez-me pensar sobre as várias vidas que sonhei acordada ter, aquelas que guardo em segredo, as que quase escolhi, as que nunca terei. Fez-me pensar, também, sobre esta teimosia que tenho em aceitar que cada escolha traz uma perda.

Vivo com este pequeno pesar, esta inquietação do que deixei para trás a cada caminho seguido. Acredito que cada um carrega consigo uma série de vidas alternativas, que quase conseguimos ver ao espelho. Tenho a certeza de que, nalgum ponto, todos imaginámos ser outro – mas seria uma benção ou uma maldição se pudéssemos, de facto, viver cada uma dessas vidas?

Como seria ser uma escritora solitária em Paris, a viver num estúdio de sótão, com as horas e o mundo todos ao dispor? Uma mulher nos seus trinta e tal anos, devoradora de livros, perdida em cafés e rodeada de ruas empedradas e de um silêncio que só as paredes do nosso próprio espaço sabem guardar.

Ou uma bailarina, discípula de Isadora Duncan, livre e rebelde, que dança de país em país e perde o medo nos braços da paixão? Que conhece o mundo como quem conhece a si mesma, e faz do corpo o seu próprio poema.

Ou então uma mãe de três, dona de uma casa no campo, onde crescem ervas medicinais e se ouvem risos de crianças. Uma herbalista, uma bruxa talvez, com um jardim para cuidar e uma horta para colher – uma vida de raízes e de magia, em que o tempo é medido pelo ciclo das estações.

Às vezes penso que, se pudesse, viveria cada uma destas vidas. Mas também sei que, no fundo, cada uma dessas vidas traz uma renúncia. Não posso ser todas, e essa ideia, que me desafia a fazer escolhas, também me lembra que há uma beleza especial em viver esta vida, a única onde posso ser eu mesma, completa nesta imperfeição, única nas minhas escolhas. Saber que não posso viver todas as vidas ensina-me a valorizar ainda mais a que tenho.

Ainda que não torne leve a tomada de decisões.

Talvez esta vontade de viver tudo numa só vida seja um exercício de imaginação, um desafio da alma, e talvez a resposta seja aceitar que tudo aquilo que desejamos já vive realmente em nós.

E ter presente que uma escolha não é apenas uma perda, mas uma clara afirmação daquilo que somos.