o tempo ensinou-me

Destroços de histórias, partes de histórias mutiladas, é o que vejo, vêm de onde nunca estive, encaminham-se para onde nunca irei, algumas passam-me ao alcance da mão, mas estender a mão para quê? Para guardar no bolso o retrato do rosto que não será, para o qual inventarei um nome e chorarei uma lágrima, e conduzido pelo fascínio, direi que quero, direi que amo, direi que amanhece e o coração sorri de novo, mas conseguirei acreditar no nome que inventei, na lágrima que enxuguei com a mão, para depois olhar e reencontrar o vidro? E, no entanto, não são bem os mortos, tão pouco a minha morte com eles, o tempo ensinou-me a recebê-lo e a guardar a alegria de ter podido amar e despedir-me.

"Broto Sofro", Jorge Roque 
Averno