4.

Queres conclusões demasiado cedo (compreendo, são uma solução). Queres respostas, certezas, sim e não. Planetas seguem a sua rota, cometas a sua errância. Aceito-os a ambos. Respostas não sei, certezas não tenho. E também não tenho solução. Que posso dizer-te? Quero-te a ti, não à tua conclusão. Se estivesses aqui, tocava-te, apertava-te, entrava em ti fundo, até ao fundo, a escutar o teu suspiro mudo a entregares-te, a procurares-me, lá tão fundo. Entendes agora? Nenhuma verdade é maior do que um corpo que morre. Nenhuma mentira também.


Jorge Roque,
Canção da Vida
Averno

Note to Self #9



Segui o discorrer da rebuscada lógica, complexas teorias da conspiração que no seu enredo teciam guerras, tácticas, dissimulações, inimigos, em suma, alvos a abater, se ao alcance do tiro estivessem ou arma existisse que a eles se pudesse apontar. No fim, mais do que refutar, ocorreu-me apenas dizer: o mais difícil é perceber que a falta de crença nos outros atinge-nos sobretudo a nós. Somos nós que nos perdemos dos outros. Somos nós que sofremos a dor de nos faltarem. Nada disse, no entanto. No lugar onde escutavas, não o poderias ouvir.

Jorge Roque
uma escada que sobe pelos degraus de ti
cão celeste #2
outubro, 2012

Viola Partida . 5


Estendias-me a viola partida, caixa de ressonância numa mão, braço solto na outra, as duas metades presas por cordas emaranhadas (a imagem era a de um corpo decepado, fios inúteis a ligarem o que já não se pertencia, entendo-te, custava ver). Desolado perguntavas-me se tinha arranjo, enquanto repetias que preferias ter partido um braço (e não era a viola, via-se nos teus olhos, era o amor, um laço que inteiro se tinha desfeito, uma crença que perfeita deixara de ser). Disse-te que sim, havia de ter arranjo, e ainda bem que não tinhas partido o braço, precisavas mais dele que da viola, pois a música estava em ti. E vi que ficaste menos triste. E vi sorrir nos teus olhos a alegria de haver uma luz. A mim salvaste-me o dia (nesse teu olhar que sorria fez-se um milagre de um sentido que dentro se procurava vazio). A ti, espero ter podido dar-te as palavras de sentires que apenas a viola se partira, não a música.


Jorge Roque
Canção da Vida,
AVERNO 047 

Tinho e André, a eles, que são feitos de música. 

a chave.


A chave que procuras só o tempo a poderá trazer. Entretanto, é tomar o comprimido e esperar, já não por outro dia, mas por outro ano, outra vida. Sabendo que só há esta. Sabendo que os anos, como os dias, se repetem. Sabendo que a chave que houver, só poderá abrir outra porta. Sabendo que o sorriso que nascer, só poderá pertencer a outros lábios.

"Broto Sofro", Jorge Roque
Averno