Procura a Maravilha

Há dias em que acordo com a cabeça cheia de nada, entro em piloto automático e só desperto, verdadeiramente, com a torrada à minha frente. Outros há em que acordo a cantar - o meu irmão vai rir-se disto, sempre tive muito mau acordar e ele, como músico da casa, era a alegria das manhãs, pelo que não me orgulho das vezes em que me imaginei a esganar-lhe o pescoço. Nos dias em que o cansaço me vence, sonho muito, e de manhã ando pela casa a deslindar significados, fechada sobre mim mesma em busca de conexões (sou de sinais). Hoje, acordei com este verso - "Procura a maravilha" -, mas de onde raio veio? Repeti-o para mim, depois repeti-o em voz alta, devagarinho - "Procura. A Maravilha." - e olhei em redor, para a luz que entrava pelo quarto e inundava a cama desfeita. Olhei-me ao espelho, e a leveza que trago no peito traduziu-se num sorriso - "procura a maravilha" - e, enquanto me olhava, vi em mim "todos os sonhos do mundo".

Entrei, oficialmente, em época de balanços, o meu ano vira a 18 e não a 31, sempre o foi assim. É a altura que mais gosto do ano, mas também a que me traz ao mais fundo de mim e, por isso, também aquela em que me confronto com a dor de (cres)ser, é a altura em que traço os meus objectivos para o próximo ano e em que coloco em papel todos os meus sonhos - e, caramba, se a completar os 34 anos não sonho mais do que em toda a minha vida!

“(…) ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo...”

Quanto à maravilha, já dizia Fernando Pessoa, é:

Pego na caneta e traço um primeiro objectivo para esta 35ª volta ao sol que se inicia: “Procura a maravilha”. Procurem a maravilha.

 

Procura a maravilha.

Onde um beijo sabe
a barcos e bruma.

No brilho redondo
e jovem dos joelhos.

Na noite inclinada
de melancolia.

Procura.

Procura a maravilha.


- Eugénio de Andrade