«um nome é um destino»

E o destino de Myra é ser Myra, mesmo que Sónia, Sophia, Maria Flor, Helena... ou Ekaterina, Kate, Catarina. Por mais máscaras ou barreiras defensivas.
Myra, dikhotomía. Tão frágil e tão forte. Tão criança e tão mulher. 
Todo o romance se desenrola debaixo de um mau augúrio, «O céu estava baixo e muito escuro. Havia estrias roxas e verdes na distância mais clareada do horizonte e pareciam, céu e mar, uma única onda a levantar-se para cobrir a terra. Myra tirou os sapatos e as meias rotas e ficou parada a ver aquele assombro. Se corresse por ali adentro ninguém daria com ela nunca mais, nem no país dali, nem em nenhum outro.», como se uma tempestade tivesse prestes a rebentar sobre as nossas cabeças.
Uma ansiedade, um quase medo, o antecipar de algo terrível por vir. É assim que Maria Velho da Costa nos faz sentir até ao último parágrafo. Myra e o seu cão, A desgraçada e a besta. Duas criaturas que se amam e se protegem contra a vida madrasta, destinada.
Um livro que nos coloca sempre entre duas margens, O bem e o mal. A vida e a morte. Um livro cru, um lado negro do ser humano. Um lado real. Um desmoronar de todas as ilusões. 
O mundo que habitamos com a gente que o coabita ao nosso lado. Tão perto e tão longe. 

«Há sempre mais maus que os maus, Ivan. Mais terríveis do que os terríveis.»

O desfecho é o desfecho possível. É o suspiro e a constatação. Faríamos o mesmo. 
Um murro no estômago ou um aperto na garganta. Uma angústia que nos acompanha para lá da leitura. 
 

«Mira»Maria Velho da Costa, Assírio & Alvim

«Mira»

Maria Velho da Costa,
Assírio & Alvim

Myra

De facto, no quarto de D. Mafalda, vinha vindo uma manhã pardacenta, augúrio da estação das temperaturas menos baixas, mas melancólico. Um anúncio de primavera cinérea. Baço, como já era baça a conversação, tão distante das asas ternas do desejo. A pequeníssima labareda do ciúme, nada atiçava naqueles dois. Nem a beleza parda que se acendia naqueles largos espaços lá fora. Nenhuma alegria no primeiro roçagar das aves e dos regos de água. A desmedida tristeza dos amantes que não se amam, a que contamina paisagens que ficam sem exultação, sem descrição possível. O mundo acaba, ou não nasce, o amor.
— Maria Velho da Costa, «Myra». Assírio & Alvim.