Viola Partida . 5


Estendias-me a viola partida, caixa de ressonância numa mão, braço solto na outra, as duas metades presas por cordas emaranhadas (a imagem era a de um corpo decepado, fios inúteis a ligarem o que já não se pertencia, entendo-te, custava ver). Desolado perguntavas-me se tinha arranjo, enquanto repetias que preferias ter partido um braço (e não era a viola, via-se nos teus olhos, era o amor, um laço que inteiro se tinha desfeito, uma crença que perfeita deixara de ser). Disse-te que sim, havia de ter arranjo, e ainda bem que não tinhas partido o braço, precisavas mais dele que da viola, pois a música estava em ti. E vi que ficaste menos triste. E vi sorrir nos teus olhos a alegria de haver uma luz. A mim salvaste-me o dia (nesse teu olhar que sorria fez-se um milagre de um sentido que dentro se procurava vazio). A ti, espero ter podido dar-te as palavras de sentires que apenas a viola se partira, não a música.


Jorge Roque
Canção da Vida,
AVERNO 047 

Tinho e André, a eles, que são feitos de música.