avessos.

voar, mesmo quando os pés se prendem ao chão.
porque há castelos onde o pôr-do-sol é só de duas almas e onde as palavras ganham vida, nos levantam do chão e sorriem do alto: "esse é o sítio''.

o avesso que é o direito, mesmo quando nos dizem que não.
que o avesso é o nosso direito, e isso faz sentido.


desabafo-te neste meu diário com o mesmo espanto que te escrevo sempre.
por ser bom demais, ter-te neste abraço, e sentir-te de sempre.

de único que é.

Note to Self #10

O senhor é sem dúvida dotado de uma finíssima inteligência, não há como negá-lo. O estilo refinado da sua escrita eleva a prosa e dá cor e alma a tudo o que trata. O senhor Fernando tem mão e cabeça de poeta, mas infelizmente deixa que seja a poesia a tomar conta de si, e não o contrário, como seria desejável.
O mundo, senhor Fernando, é para ser visto e entendido, não inventado.
— No Meu Peito Não Cabem Pássaros, Nuno Camarneiro.

As poucas palavras

 
Nós. Abril, 2013

Nós. Abril, 2013


Foi um dia, e outro dia, e outro ainda.
Só isso: o céu azul, a sombra lisa,
o livro aberto.
E algumas palavras. Poucas,
ditas como por acaso.

Eram contudo palavras de amor.
Não propriamente ditas,
antes adivinhadas. Ou só pressentidas.
Como folhas verdes de passagem.
Um verde, digamos, brilhante,
de laranjeiras.

Foi como se de repente chovesse:
as folhas, quero dizer, as palavras
brilharam. Não que fossem ditas,
mas eram de amor, embora só adivinhadas.
Por isso brilhavam. Como folhas
molhadas.


Eugénio de Andrade 

 

recados que te escrevo #4


«trinca-espinhas»,

não sabes a falta que nos fazes.
às vezes apetece-me gritar-te "porque raio nos deixaste aqui, sem ti?"
travo-me ainda antes de abrir a boca. envergonho-me. como poderia gritar-te? a ti?
foi injusto. foi injusto para nós, tu estavas pronto. não querias, mas estavas pronto.

e foste, abriste a porta e foste. e lembro-me de cada instante desse dia. e da dor que ainda dói como se ainda. como se sempre, porque isto é dor que não sara nunca.

onde estás no meu amanhã? 
sinto (tanto) a falta de agarrar a tua mão, avô. 

tenho medo de te esquecer. de te lembrar apenas de fotografias, de vídeos antigos. 
tenho medo de esquecer o teu sorriso, a forma como nos olhavas, o teu andar. 
esquecer de como adoravas caramelos e rebuçados de fruta, de como nunca faltavam pacotes lá em casa, e como os ias buscar às escondidas quando sabias que não devias. Porque tudo o que nos restam são memórias... memórias que se atraiçoam com o correr do tempo.