Recados que te escrevo #5

Lá vem ele com aquele sorriso malandro... Eu já te disse que não nasci para isto, sei lá eu se as sementes da courgette se tiram ou se comem! Riiii-te... riiiii-te! Até parece que fiz isto a minha vida toda! Tu tens com cada uma! Se era para ires embora assim, tinhas ficado, assim como assim sempre te podia abraçar. Agora não te vejo. Ouço-te, sinto-te. Às vezes fico desconfiada se não serão coisas da minha cabeça, uma pessoa já não sabe bem, são muitas horas a falar com os gatos, mas sabe-me bem, enquanto acreditar que estás aqui, vais estar sempre aqui, o problema é quando deixamos de acreditar, e isso é coisa que nunca nos permitirias. Estou a ficar uma pro no que toca a arranjar legumes, nem me venhas com coisas (olha, lá está ele a sorrir com as covinhas), toma, tens aqui caramelos! Esses vieram de Londres, conheces Londres? Ias gostar! Sim, esses podes comer, a Kikas deixa e eu também. Esse sorriso vale tudo. 
Olha, queres saber? faz hoje um mês que fomos 'Arrouquelas. Fui à tua "pr'ecura", vamos sempre à tua "pr'ecura"... A Beatriz está cada vez mais crescida, cada dia mais bonita! A família cresce... e sabes? Vou casar! Eu sei, guardei esta notícia para te contar no fim, não sabia como dizer-te! Quis uns Brincos-de-Princesa, se bem que falar com as flores talvez não faça de mim uma pessoa muito normal, mas tu estás em todos os Brincos-de-Princesa e vamos enganando a ausência, passo a passo, o melhor que sabemos (e podemos), mas o dom das flores ficou em ti, não saltou gerações, não sei como cuidá-las. Por isso te escrevo, na esperança que de alguma forma estas palavras te cheguem. Vou casar, avô, por isso é bom que ajeites o teu melhor fato e que estejas lá, mesmo ao meu lado, com a tua mãozinha na minha, a sorrir com os olhos e com as bochechas. 

Amo-te muito, Trinca- Espinhas.

Não precisavas de ter partido tão cedo, estou em crer que te enganaste no ano, mas eu perdoo-te, às vezes acontece. Vai daí até gostaste desse novo sítio e por isso é que não voltaste!

recados que te escrevo #4


«trinca-espinhas»,

não sabes a falta que nos fazes.
às vezes apetece-me gritar-te "porque raio nos deixaste aqui, sem ti?"
travo-me ainda antes de abrir a boca. envergonho-me. como poderia gritar-te? a ti?
foi injusto. foi injusto para nós, tu estavas pronto. não querias, mas estavas pronto.

e foste, abriste a porta e foste. e lembro-me de cada instante desse dia. e da dor que ainda dói como se ainda. como se sempre, porque isto é dor que não sara nunca.

onde estás no meu amanhã? 
sinto (tanto) a falta de agarrar a tua mão, avô. 

tenho medo de te esquecer. de te lembrar apenas de fotografias, de vídeos antigos. 
tenho medo de esquecer o teu sorriso, a forma como nos olhavas, o teu andar. 
esquecer de como adoravas caramelos e rebuçados de fruta, de como nunca faltavam pacotes lá em casa, e como os ias buscar às escondidas quando sabias que não devias. Porque tudo o que nos restam são memórias... memórias que se atraiçoam com o correr do tempo. 


 

recados que te escrevo #3

Se estás aí (ou aqui, não consigo ainda decifrá-lo), traz os caramelos e senta-te ao meu lado.
Aqui, assim, no topo da mesa como de sempre. Ouve-me de mãos nas bochechas enquanto te conto tudo o que me vai cá dentro. Vais sorrir. Hás-de olhar para mim e rir, daquele riso malandro que fazias sempre que achavas que mais ninguém ia saber o que eu e tu sabíamos.
É mais ou menos assim, se ouves o que te digo em silêncio agora que não te tenho aqui.


Anda, tenho muito que te contar, precisava mesmo que viesses, que apertasses a minha mão, ou então não, só que estivesses aqui, só que risses com esse teu riso malandro e me dissesses tudo sem dizer uma palavra. 

p.s.: Traz o Tomáz.  

recados que te escrevo #2

Olha... queres ouvir? tinha tantas coisas para te contar! tanta coisa que tem acontecido! Ias ficar feliz - não ouças o que a avó te diz, já sabes que exagera sempre - a mãe continua reguilona, sim, não passa e com a idade apura. O Tinho parece-se cada vez mais contigo, o andar calmo, os teus passos, a mesma postura. Havia de nos ficar um Fialho como tu, não era? Ficou. A família continua a encontrar-se naquele cantinho especial que nos ensinaste a amar. Ainda não descobrimos a prima Amélia da Arrifana, mas não desistimos. Os Brincos-de-Princesa estão cada vez mais bonitos, e sabes que são as flores que mais duram no nosso jardim?! Nem te vou contar as vezes que o pai já deu cabo das flores... havias de te rir, assim, daquela tua maneira, a levantar ligeiramente os ombros. Assim, com ar de reguila. Assim, a enternecer-nos. Assim, a brincar com o tempo como quem fica para sempre. Tenho muitas saudades tuas, trinca-espinhas.