Nasceste e, contigo, despi-me de mim e renasci esta Inês cheia de defeitos, mais humana e imperfeita.
Confrontei-me com isto enquanto te dava o biberão. Com a tua mãozinha pequenina agarravas um dos meus dedos com força e olhavas-me nos olhos. Fixámos o olhar uma na outra e, por momentos - daqueles que parecem ficar suspensos no tempo - , vi passar várias versões de mim mesma. Uma a uma, iam e vinham. Dei por mim a chorar: despedia-me. Agarrei-me a cada uma delas, cada um dos meus passados, teimosamente guardados, embrulhados em papel-seda perfumado. Gestos, palavras, papel amarelado e fotografias gastas de tanto as olhar. Memórias presas pela ponta dos dedos, que se recusam a largar. Estou pronta, penso. Estou pronta para me desp(ed)ir delas.
Os teus olhos grandes fixos nos meus, tão intensos e presentes. E eu nua, inteiramente Eu, neles.
Lembro-me de me olhar ao espelho na manhã seguinte ao teu nascimento, naquela casa de banho cinzenta e de luz branca e forte. O espelho, enorme, devolvia-me a imagem de uma Inês que não reconheci: a bata azul do hospital, o cabelo desgrenhado e apanhado em cima, as cuecas de rede e o penso enorme. A barriga onde moraste em mim por 9 meses. Nunca me havia visto tão bonita, tão verdadeira. Segurei a barriga com as minhas mãos e agradeci-lhe. Obrigada barriga, obrigada útero, obrigada corpo. Desculpa barriga, desculpa útero, desculpa corpo. Amar-mo-nos é um caminho tortuoso. Olhar-mo-nos com verdade e amor, um caminho igual.
Desde que chegaste que os dias são de presença. De presente. “Que tontice”, irás pensar, “não são todos os dias presente antes de se fazerem passado?” são, mas a tua mãe tinha um caso sério com o passado e sonhava o futuro para ontem, até chegares… Quando te tenho ao colo, como agora, estou aqui, estou inteiramente aqui. Escuto com mais nitidez os sons ao redor, tão longe comparados com o perto do teu respirar. Guardo cada uma das tuas expressões, porque descobri que a maternidade também é este eterno despedir de partes de um bébé que cresce sob o nosso olhar. Nasceste há 27 dias e eu já me despedi da bébé que nasceu comigo naquele dia, dos babygrows que teimam em encolher todas as semanas, e das muitas que fui até te conhecer.
Olho-me ao espelho da casa de banho cá de casa, por onde entra cedo a luz do sol, o som do vento, e encontro de novo a Inês daquele dia: cabelo desgrenhado e apanhado em cima, pijama que fica no corpo o dia todo, que comeu umas torradas e deixa o almoço para quando der. Esta Inês que cheira a ti, cheia de defeitos, mais humana, imperfeita… e tão assustadoramente Eu.
Renasci contigo, filha, naquele dia de Agosto em que duas enfermeiras-parteiras e a tua madrinha nos guardaram o parto e o tempo. Verdadeiras Guardiãs do Sagrado sobre as quais serei capaz de escrever um dia.
Maternar é este ser e estar presente, mas também esta aprendizagem do adeus, não é?