Estamos a quatro dias da tua primeira cirurgia, e eu não poderia imaginar o aperto que carregaríamos ao peito... mesmo acreditando na equipa de anjos que escolhemos ter connosco, na sincronicidade dos nossos passos e das pessoas que nos acompanham. Aperto-te junto ao peito e experiencio esta nova emoção que é estar tão feliz e cheia de amor e ao mesmo tempo tão ansiosa e angustiada. Sei que o sentes, ontem choraste como há muito não choravas. Era o choro dos dias difíceis. Não era fome nem fralda, não era sono, era um choro inconsolável que está para lá de nós. Abracei-te com força junto ao coração enquanto esperneavas de rosto vermelho e coberto de lágrimas. Procurava acalmar-te enquanto me acalmava também. Queria fugir, pousar-te na cama e fugir dali, deixar de sentir o teu choro como uma faca que me trespassa o peito. É tão difícil sair deste lugar de culpa, deixar de ser a menina magoada e ser a mãe que acolhe. A maternidade é uma escola.
Choras porque nos sentes o turbilhão dentro - e eu que pensava que isso só acontecia quando te fui casa. Não sabia que "ser mãe" também era "tornar-se lugar".
Preparamo-nos os três para a tua cirurgia, de emoções à flor da pele. Nós preocupados contigo agarrando-nos à tua força, e tu, tão pequenina, a sentir tudo isto. "Está tudo bem", sussurramos-te ao ouvido. Falamos, também, para nós. Tu não te vais lembrar como era sorrir com o teu sorriso, nós vamos. Passámos as últimas semanas resguardados do mundo, a despedirmo-nos dele. Do teu sorriso rasgado e bonito que nos espera a cada manhã, neste mundo que busca nada menos que a perfeição. Sortudos pais, nós, que a encontrámos no teu sorriso imperfeito.
Aprenderemos a amar o sorriso que será o teu, que sorrirá com os teus olhos o resto da vida, mas regressarei sempre, devagar, ao teu sorriso... como quem regressa a casa.